CERN: Maior laboratório de física do mundo completa 60 anos acelerando partículas

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Vitor Sion | Genebra (Suíça) – 20/04/2015 – 06h00

Órgão ficou em evidência nos últimos anos depois da confirmação da existência do Bóson de Higgs, ou “Partícula de Deus”, ocorrida em julho de 2012

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Nos arredores de Genebra, na fronteira entre a Suíça e a França, uma enorme construção em forma de globo chama a atenção até mesmo do viajante mais desavisado. Com uma área de 200 hectares, equivalente a cerca de dez estádios do Maracanã, o CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear) é o maior laboratório de física do mundo. Talvez você nunca tenha ouvido falar nessa organização, uma joint-venture formada por 21 países-membros, mas, para ler esta reportagem, está fazendo uso de um dos projetos desenvolvidos por lá: a internet.

Com 60 anos de história, o CERN ficou em evidência nos últimos anos depois da confirmação da existência do Bóson de Higgs, ou “Partícula de Deus”, ocorrida em julho de 2012. A descoberta, considerada a peça que faltava na atual teoria da física de partículas, foi feita no maior experimento do laboratório, o acelerador de partículas LHC (Grande Colisor de Hádrons, na sigla em inglês).

Construído com investimento de R$ 15 bilhões, o LHC é um túnel circular de 27 quilômetros de comprimento e tem quatro detectores de partículas principais (Atlas, Alice, CMS e LHCb). “No LHC, as partículas são submetidas a experiências com as mais extremas energias e densidades que podem ser criadas dentro de um laboratório. São densidades comparáveis às registradas alguns microssegundos após o Big Bang. É difícil dizer de onde sairá a próxima grande descoberta, mas a história recente tem nos mostrado que as maiores potencialidades de descoberta se dão quando forçamos os limites da energia. É por isso que o CERN dá tanta atenção ao LHC, onde encontramos o Bóson de Higgs usando apenas um terço da capacidade de armazenamento de dados”, afirma Urs Wiedeman, físico teórico sênior do CERN.

O LHC voltou a operar em março de 2015, depois de dois anos em manutenção para poder desenvolver novas pesquisas com maior energia nominal. “O trabalho no LHC está apenas em seu início e planos realistas indicam que poderemos explorar essa máquina por mais 15 ou 20 anos, com o objetivo de entender melhor como a massa é dada à matéria que nós vemos, compreendendo porque há mais matéria do que antimatéria no universo”, acrescenta Wiedeman.

Apesar de o CERN concentrar seus estudos nas menores partículas existentes na natureza, o que pode ser considerado como distante do cotidiano da maioria das pessoas, o laboratório teve atuação decisiva no desenvolvimento da internet. Em 20 de dezembro de 1990, o britânico Tim Berners-Lee estabeleceu os conceitos básicos da web: a URL, o http e o html. Na mesma data, o físico colocou no ar o primeiro site da história (Info.cern.ch).

Tentando aproximar o cidadão comum da ciência, o CERN realiza anualmente dezenas de projetos e exposições. Em 2013, o laboratório recebeu mais de 90 mil visitantes de 63 países, além da participação de milhares de professores de física de 21 países em cursos com duração de uma semana.

O Brasil, que aguarda desde 2013 a aprovação do Congresso Nacional para se tornar membro-associado do CERN, tem mais de cem pesquisadores no laboratório europeu. “A ciência atualmente é muito mais uma atividade de grupo, realizada de forma colaborativa e compartilhada, do que ideias brilhantes de indivíduos isolados pelo mundo”, analisa o pesquisador Bruno Lenzi.

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Um dos prédios que compõem a área do CERN: instituição completa 60 anos

Estrutura horizontal

Em seus 60 anos de existência, o CERN já recebeu mais de 11 mil cientistas de 113 países. Pesquisador da joint-venture internacional há 20 anos, Marumi Kado, coordenador do Atlas, um dos principais detectores de partículas do LHC, lembra que a diversidade cultural o estimulou a continuar no laboratório. “Quando eu cheguei ao CERN, achei impressionante essa diversidade de pessoas, com diferentes culturas vindas de todo o mundo. Esse aspecto com certeza foi um incentivo a continuar aqui, pesquisando a física de partículas.”

Para a italiana Valentina Gori, o trabalho com pesquisadores de diferentes nacionalidades também facilita o intercâmbio de informações, o que, consequentemente, acelera a realização de novas descobertas. “Você sente que está no centro onde tudo acontece, fica sabendo rapidamente de qualquer avanço científico e consegue conversar e trocar informações com os melhores físicos do mundo. É muito estimulante”, argumenta.

A diversidade cultural do CERN é acompanhada por uma estrutura e horizontal, na qual os pesquisadores desenvolvem seus estudos de maneira independente, sem a pressão de um chefe direto.

“Diferentemente da universidade, onde você tem um professor e vários estudantes pesquisadores, a estrutura hierárquica aqui é bastante flexível. Mesmo os pesquisadores iniciantes ou intercambistas têm independência para conduzir seus trabalhos. Consideramos essa liberdade muito importante, porque ela que nos levará às ideias que depois serão testadas aqui”, afirma Wiedeman.

 

Equilíbrio entre gêneros

O CERN também tem buscado implementar uma série de medidas para incentivar a entrada de pesquisadoras no laboratório e, com isso, equilibrar o número de homens e mulheres em seu quadro de funcionários. De 1996 até 2012, o instituto conseguiu fazer no setor administrativo subisse de 18% para 51%.

Entre os físicos, o índice também tem crescido, mas ainda segue desproporcional. Em 2012, as pesquisadoras ainda representavam apenas 10% dos físicos no laboratório, número cinco vezes maior que o registrado em 1996.